Era um bosque, mas havia elefantes, prédios, vendedores de frutas. A dor para vencer a dormência dos membros inferiores já se ramificavam pelo corpo todo; minha virilha ardia, o ventre estava prestes a explodir junto com a cidade.

Um dos fatos mais interessantes da ficção brasileira atual é a forte presença de jovens escritoras de qualidade. Com temáticas e estilos os mais diversos, seja no conto, seja no romance, elas vêm ocupando um espaço que já pertenceu quase que exclusivamente aos homens. Qualquer leitor que venha acompanhando nossa produção em prosa nos últimos anos pode constatar isso. E caso queira conhecer mais um nome para lá de promissor, eis aqui uma boa oportunidade.
Narrado por uma mulher marcado por um trauma de infância, O contorno do sol alterna passado e presente numa narrativa sinuosa, de claros e sombras, conduzida pela hábil combinação de dois enigmas. Um é a frase que a narradora teria dito aos pais pouco antes da morte deles e seria o centro da experiência traumática que marcaria para sempre sua vida - frase que ela se recusa a revelar. Outro é o mistério sobre quem está tocando insistentemente a campainha da porta no momento em que a mulher narra a história , sozinha no seu apartamento.
Com uma habilidade e uma segurança surpreendentes para um primeiro romance, Natália Nami prende o leitor nesse duplo suspense que vai sendo renovado a cada página. E ao final, para nossa surpresa, os enigmas se deixam decifrar ao mesmo tempo que dão lugar a um terceiro, já nas últimas linhas.
O humor, a forma como se alternam momentos de peso e leveza, a precisão da escrita - sem os excessos naturais de quem está começando -, além da inventiva arrumação das cenas, fazem de O contorno do sol um belo romance, que nos leva a afirmar, sem medo de erro: temos escritora. - FLÁVIO CARNEIRO