O Sagitário é uma imagem de sublimação. O centauro, os pés encravados na Terra, com mãos firmes busca orientar a flecha em direção às estrelas. Aí está por que você sente “a nostalgia do mais”.
Constante afeto,
Nise
Marco,
O presente talvez seja pequenino, mas nada modesto. É um dos mais belos romances epistolares que li em minha vida. Uma delicadeza infinita, leveza e respeito, palavras carregadas de sabedoria, afeto, consciência profunda do espírito humano, uma vivência plena habita cada página. Ali se pode ler tudo sobre Nise, muito sobre você e a relação entre os dois. Uma preciosidade. Pequenas joias. Poucas palavras dizem muito mais. Deixou-me enlevada, e de certa forma perturbada, até mesmo culpada por minha selvagem dicção que nasce de ímpetos e descuidos e exacerbações e ênfases – as mesmas detestadas por Machado de Assis, e achando as minhas cartas a você tão tolas, e todas as outras cartas que escrevi, e que tantas pessoas escreveram, aquelas poucas palavras de uma mulher a caminho da morte, aqueles espaços silenciosos e tensionados pela poesia e pela loucura, penetraram o meu coração e a minha alma, e amei Nise, tanto quanto amo você e as estrelas, e me vi tão infantil, ainda, num cotidiano feito de banalidades, lavando as louças, fotografando as minhas flores que nascem na varanda, para que não sejam esquecidas, vestindo a camisola, fumando, acendendo e apagando luzes, desenhando minutos de oblívio, abrindo e fechando livros, os pés descalços na escada de madeira, cautelosos, tudo no mundo me pareceu banal diante das palavras que ela escreveu a você, ou quase tudo, tudo na vida é tão pequeno diante do caminho percorrido por aqueles bilhetes escritos com lágrimas, sangue, amor, e fui dormir ontem um pouco entorpecida pela vida que não é besta, e fiquei feliz com a magia das palavras. Nise está viva, senti isso, sua alma e seu sorriso e seu cotidiano entre gatos e nuvens, estacas, colunas, barcos voadores, o que ela escreveu a você foi um presente da vida, e você transformar tudo aquilo, de maneira tão suave, num romance publicado, isso sim, o presente mais amoroso que ela recebe em sua vida posterior.
Obrigada, meu querido Marco.
Ana Miranda