A majestosa e trágica travessia que o conto A fronteira, de Henri­que Bon, propõe ao leitor, transporta-o para um outro tempo e um outro espaço, a Argentina do final do século XIX, rememorando as consequências da Campanha do deserto (1879-1881), um marco na história da espoliação dos povos indígenas, que possibilitou a co­lonização das terras do Pampa e a constituição da nação argentina. Primorosamente construído, o extermínio dos índios como projeto fundacional da nação está inscrito na evocação da paisagem gran­diosa da Patagônia, cenário da fuga de um núcleo familiar de índios que, perseguidos por militares, procuram alcançar a fronteira chile­na para escapar ao massacre. Às transformações do espaço físico das terras habitadas pelos índios corresponde sua exclusão do imaginário da nação em formação, ali­mentado pelo discurso ideológico eurocêntrico e positivista. Anco­rado nessa referência histórica e emblemática, o conto contempla dimensões filosóficas, ecológicas, sociológicas sobre os diferentes modos de ser e habitar o mundo, trabalhando, magistralmente, a alegoria da travessia do deserto e questionando a fronteira entre barbárie e civilização que, mais do que nunca, se apresenta como intransponível, no contexto de violência atual de nossa desumana “pós-modernidade”.