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A ASCENSÃO, livro de estreia do escritor Rafael Victor, traz para dentro do plano de uma narrativa de ficção, temas de profundidades insondáveis, tal como reflexões acerca do julgamento, do ideal de justiça e também dos motivos pessoais que, a contramão da imparcialidade, princípio máximo do Direito, podem se esconder por detrás de todo ato decisório responsável por garantir a ordem legal de uma Nação. Através do relato de um narrador anônimo, cuja função é a de aplicar a lei, o leitor é conduzido ao longo de sua vida pessoal, desde a infância religiosa, passando por uma fase libertina, até por fim chegar na sua vida adulta e profissional, onde ele desempenha suas funções de juiz. Este personagem – chamemo-lo de César, como autodenomina-se – detém uma convicção egoísta de mundo, na qual se baseia para conduzir sua vida, e, posteriormente, para decidir sobre a vida de terceiros. Na concepção do narrador, ele se vê prometido a grandes feitos por entender que é um homem “especial”, destinado a eternizar-se na História. Este homem se ampara no amor-próprio e no orgulho, os quais utiliza para subtrair o sentido das coisas e cair numa espécie de niilismo, onde nada tem sentido a não ser quando se aceita viver por uma lógica inevitável: a da contingência. Ele se depara e se angustia com a noção de superioridade que detêm de si. A todo momento, precisa provar para si, que está à altura do seu destino, isto é, a altura dos grandes homens da História. Compreende-se, também, neste drama obscuro e metafísico, a noção da dualidade que reveste as relações humanas e a individualidade do ser, que, tal como o do Deus romano Jano, possuem faces de uma mesma moeda.
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Diante da tomada de uma decisão que pode afetar a vida de um número considerável de pessoas, o juiz, um narrador autodenominado “César”, faz um exame de consciência acerca da sua vida e da natureza do julgamento. Este narrador que fala, por vezes, estabelece um diálogo com o leitor e o leva a questionar-se acerca da dualidade que reveste as instituições, as normas, as relações humanas e a própria individualidade. Em busca de um lugar de destaque, acima dos homens e das leis, o juiz, ao longo da narrativa, nos revela sua maior ambição: imortalizar-se. A confissão deste indivíduo niilista, egoísta, mergulhado num vazio existencial, que abandona o ideal de justiça para ascender acima do bem e do mal e tornar-se ele mesmo, senhor e escravo, na sua visão, única forma de julgar sem estar submetido às convenções, deixa claro que o ideal de justiça, de equidade e liberdade, para ele, não passam de justificativas e impedimentos, cujo propósito serve para aplacar o que no homem existe de mais elementar e grandioso, isto é, o seu orgulho.
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