O êxito e a acolhida das ideias e da pregação política do nazismo pelas elites e pela massa do povo alemão, que se tornou o fundamento do Terceiro Reich, culminaram nos bárbaros crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial e, por isso mesmo, continuam a ocupar um lugar perturbador e central na consciência histórica da humanidade, num misto de perplexidade e ignomínia, negação e desdém, cuja projeção se concentra iconicamente na figura de seu líder. Sem Hitler, de fato, o nacional-socialismo teutônico provavelmente não teria existido como tal, uma vez que a implementação de sua máquina de extermínio racista exigia uma personagem de enorme carisma, influência, capacidade de aglutinação e mobilização das massas e de sua condução. Se isso tornava o Partido Nazista dependente do führer em suas principais decisões, de um lado, nem por isso, de outro, basta para explicar por que a engrenagem funcionou tão bem. Por certo, seria preciso não só remontar às raízes histórico-ideológicas desenvolvidas pelos processos políticos da Alemanha pós-bismarckiana, tão entranhados no geist germânico, como às consequências socioeconômicas da derrocada na Primeira Guerra Mundial. Foram esses elementos que deram origem aos agentes patológicos que passaram a circular pela mentalidade e pelo corpo da sociedade conflituosa da República de Weimar e que deu ascenso à fúria do führer racial salvador.Em A Alemanha Nazista e os Judeus: Os Anos da Perseguição, 1933-1939, Saul Friedländer afirma como causa fundamental do êxito operacional do genocídio judeu o 'antissemitismo redentor […], essa síntese entre uma raiva assassina e uma meta ‘idealista’, compartilhada pelo líder nazista e o núcleo duro do partido', ressalvando, porém, que o 'líder nazista não tomava suas decisões independentemente do partido e das organizações governamentais. Suas iniciativas [...] eram moldadas não apenas por sua visão de mundo, mas também pelo impacto de pressões internas, o peso das limitações burocráticas, a influência da opinião pública alemã como um todo e até as reações de governos estrangeiros e opiniões do exterior'.Outros fatores, contudo, também concorreram para que a história tomasse o rumo que tomou e têm de ser levados em conta. Até que ponto essa obsessão ideológica era compartilhada pelo partido e pela população como um todo? Como as ruas alemãs receberam leis como as de Nurembergue? Como os judeus viram a ascensão do Partido Nacional-Socialista? Qual o papel desempenhado por pessoas comuns e personalidades diante do discurso de ódio e da escalada da violência racial e política, que incluía não apenas os judeus, como os ciganos, os homossexuais, os deficientes físicos e, a longo prazo, as 'raças inferiores' submetidas à supremacia ariana? Saul Friedländer busca as respostas em A Alemanha Nazista e os Judeus, cuja abordagem não convencional lhe valeu o prêmio Pulitzer de 2008. A editora Perspectiva traz agora ao público brasileiro o primeiro dos dois volumes desta obra, que compõe um panorama detalhado, poderoso e consistente, que une o rigor acadêmico ao olhar de escritor, movido tanto pela força da memória de quem viveu os horrores da guerra, como pela disciplina do historiador, ao enfocar o tema com dignidade e distanciamento crítico. Na vasta literatura sobre o nazismo e o Holocausto, esta é sem dúvida uma obra de referência indispensável.